Foi publicada em 21 de julho último a Lei nº 13.015, que reforma o tramite do Recurso de Revista trabalhista. Ela altera os artigos 894 e seguintes da CLT, tentando abreviar e racionalizar o tramite desse recurso extremo na Justiça do Trabalho. Pretende-se examinar em caráter preliminar (ainda sem a contribuição da doutrina especializada e o debate público mais aprofundado) um inquietante dispositivo que impõe aos TRTs a uniformização de sua própria jurisprudência, quando observado o conflito jurisprudencial entre suas Turmas, com a edição de súmula do próprio Regional.


Antes disso, a lei cuida de ratificar um imperativo já normatizado anteriormente de uniformização jurisprudencial interna. Trata-se da proposta dada ao §3º do art. 896, da CLT:


“§3º. Os Tribunais Regionais do Trabalho procederão, obrigatoriamente, à uniformização de sua jurisprudência e aplicarão, nas causas da competência da Justiça do Trabalho, no que couber, o incidente de uniformização de jurisprudência previsto nos termos do Capítulo I do Título IX do Livro I do Código de Processo Civil”.


Até aqui, a reiteração de um imperativo do CPC, aplicável à seara trabalhista, para o cultivo de repertório sumular nos Regionais. Empenho esse de escasso sucesso até agora. O diagnóstico desse quase fracasso é duplo: (i) as dificuldades de quórum, já que muitos TRTs são compostos por quadros numerosos e heterogêneos e (ii) um oneroso procedimento de uniformização, que interpola mais uma fase, no já emaranhado cipoal de recursos trabalhistas.


Todavia, a novidade legislativa segue adiante, no parágrafo seguinte, com provocadora redação: “§4º. Ao constatar, de ofício ou mediante provocação de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, a existência decisões atuais e conflitantes no âmbito do mesmo Tribunal Regional do Trabalho sobre o tema objeto de recurso de revista, o Tribunal Superior do Trabalho determinará o retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que proceda à uniformização da jurisprudência”.


Como é sabido, toca ao TST a uniformização jurisprudencial, condicionada ao conflito de decisões entre Regionais distintos. À parte vítima de uma contradição entre decisões do mesmo Regional restava o incidente de uniformização jurisprudencial, nos termos do CPC e dos respectivos Regimentos Internos, raramente exitoso. Convém, primeiramente, ressaltar que esse comando agora é imperativo (o Tribunal Superior do Trabalho determinará ... não “poderá determinar”). Legitimados estão, ao lado do próprio TST, também as partes e o MPT, criando um filtro bastante rigoroso contra as contradições regionais.


A lei avança no parágrafo seguinte: “§5º. A providência a que se refere o §4º. deverá ser determinada pelo Presidente do Tribunal Regional do Trabalho, ao emitir juízo de admissibilidade sobre o Recurso de Revista, ou pelo Ministro Relator, mediante decisões irrecorríveis”.


Cria-se, com isso, a barreira primeira contra as colisões internas: a presidência (ou Órgão regimental que faça a admissibilidade a quo para a Revista). Coadjuvado pela parte interessada, a fornir a admissibilidade com provas do conflito jurisprudencial interno, o desvio em direção ao incidente uniformizatório é inevitável, por determinação até de órgão do próprio Regional (em decisão também irrecorrível). Somente o fracasso nessa primeira garimpagem oportuniza a devolução pelo TST.


Por fim, o dispositivo seguinte cuida de fortificar ainda mais o percurso uniformizador interno: “§6º. Após o julgamento do incidente a que se refere o §3º, unicamente a súmula regional ou a tese jurídica prevalecente no Tribunal Regional do Trabalho e não conflitante com súmula ou orientação jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho servirá como paradigma para viabilizar o conhecimento do Recurso de Revista por divergência”.


Com esse preceito, estimula-se a edição de súmulas regionais sintonizadas com os verbetes do próprio TST. Dúvida é saber se o processo deve retornar ao Regional, para novo julgamento em incidente de uniformização. Aparentemente a resposta é positiva, até porque não haveria razão para o contrário. Claro que o texto legal poderia ser explícito a respeito.


Abre-se uma inédita possibilidade de Revista por divergência jurisprudencial (sem embargo das demais possibilidades) quando se violar súmula regional. Agora, com o apanágio de conflito jurisprudencial com precedentes do próprio regional.


A novidade legislativa lança um desafio instigante aos Regionais, de aprimorar e detalhar seu próprio repertório sumular, com o consequente crescimento de atos processuais e volume de trabalho na segunda instância trabalhista.


O tempo haverá de dizer se se refinará a atuação do TST, enfatizando o aparamento de divergências sumulares entre Regionais. De qualquer forma, esse é um caminho muito mais sábio que o adotado pelo anteprojeto de CPC, que se obstina em quimeras, como a imposição legal de vinculação a precedentes.


Célio Horst Waldraff, mestre e doutor em Direito pela UFPR e mestre pela Universidad Internacional de Andalucia, Espanha, é professor de Processo do Trabalho na UFPR, desembargador no TRT-PR e diretor de sua Escola Judicial.



Artigo publicado no Caderno Direito e Justiça do jornal Gazeta do Povo, edição de 25/07/2014
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Última atualização: segunda-feira, 28 jul. 2014, 16:35