24/02/2014 - Debate: servidão voluntária ou involuntária?
Debate: servidão voluntária ou involuntária?
A procuradora e professora Aldacy Rachid Coutinho, a vice-presidente do TRT-PR,
desembargadora Ana Carolina Zaina, o professor Laerte Idal Sznelwar e o juiz e professor
Leonardo Vieira Wandelli
Nas relações de trabalho existe um campo em que nossas vontades se manifestam e que o direito não consegue ou tem dificuldade em regular. O que determina, por exemplo, o desejo de se subordinar ou se submeter ao outro? Onde está a real força que caracteriza o poder de mando do empregador? E o que dizer do trabalhador que, sem utilizar equipamento de proteção, se acidenta ao retirar algumas latas que travavam determinada máquina, tudo para cumprir uma vontade própria de que a produção seja mantida sem interrupção?
Essas questões foram abordadas no TRT do Paraná no seminário “O Futuro da Proteção Jurídica do Trabalho” durante a mesa redonda “Servidão (in)voluntária e proteção do sujeito que trabalha”. A mediação foi da vice-presidente do Tribunal, desembargadora Ana Carolina Zaina, e as palestras foram apresentadas por Aldacy Rachid Coutinho, da UFPR, Leonardo Wandelli, juiz do trabalho, e Laerte Idal Sznelwar, da Escola Politécnica da USP.
Segundo Aldacy Coutinho, uma estrutura de relação de emprego revela traços que são próprios dos indivíduos, que precedem o vínculo de emprego e onde o inconsciente encontra espaço. De um lado aparece o exercício exagerado do poder que vai se manifestar naquele que tem traços perversos; de outro, estão os que se subordinam e ficam sujeitados ao poder como traço de personalidade. Nesse campo, o direito pode fazer pouco, diz Aldacy Coutinho. Não é a estrutura que permitiu essa construção da servidão. Não é traço do vínculo de emprego. Mas por mais que se consiga regrar não poderemos afastá-lo, pois esse é um padrão de nossa sociedade.
Leonardo Vandelli também abordou aspectos da subjetividade nas relações jurídicas. Para ele, a subordinação não diz praticamente nada do que acontece no vínculo de trabalho, mas ela legitima o poder de sujeição do empregador capaz de influenciar decisões alheias. É o caráter normativo da expectativa de alguém que pode responsabilizar outra pessoa por não atingir essa expectativa.
O poder se manifesta no silêncio, disse ele. Tem mais força quanto maior a influência. Quando precisa se mostrar, o poder já está deixando de existir. Hoje em dia, assume nomes mais amenos como cultura de equipe, slogans, missões, metas, mas também pela manipulação do medo de fracassos, acidentes, má compreensão, ameaças difusas, despedimento e promessa de benefícios. No empregado ele se estabelece sob a forma de construção do consumismo, da necessidade de auto-realização e do desejo de pertencer a um grupo.
Laerte Idal Sznelwar encerrou as apresentações com uma análise do ponto de vista ergonômico e da psicodinâmica do trabalho. Segundo ele o engenheiro é obrigado a definir o que vai acontecer no mundo com o estabelecimento de rotinas, as quais acabam indo por água abaixo na vida real. As coisas só acontecem porque as pessoas cooperam, observou. O zelo está além do que foi prescrito e muitas vezes são necessárias “gambiarras” para que tudo funcione. Hoje quase não se fala de trabalho, tudo é gestão, mas as pessoas querem ser protagonistas do seu trabalho. Se não há sentido no que se faz, está aberto o caminho para a doença e até mesmo para o suicídio.
Precarização do trabalho na atual fase do capitalismo
Presidente Altino Pedrozo dos Santos encerra o seminário
Na última mesa redonda do Seminário “O Futuro da Proteção Jurídica do Trabalho”, promovido pela Escola Judicial do TRT-PR, os debatedores retornaram à análise do mundo do trabalho na atualidade e dos novos modelos de subordinação no emprego.
Dentre as questões levantadas pelo juiz Jorge Luís Souto Maior, está a precarização do trabalho na atual fase do capitalismo. A crise econômica seria um argumento para a supressão de direitos sociais. Esse é um discurso, segundo o jurista, que não pode ser aceito e reproduzido pelos juízes do trabalho.
O advogado e professor Wilson Ramos Filho discorreu sobre algumas mudanças no mundo do trabalho. A fase atual, pós-queda do Muro de Berlim, é do capitalismo imperando “descomplexado”, assumindo seus defeitos. Nesse contexto, ninguém deseja ser empregado, no sentido tradicional. Como consequência, temos uma sociedade que opta ou pelo empreendedorismo - com indivíduos ‘desprotegidos’, assumindo altos riscos - ou pelos concursos públicos.
Ao fazer o encerramento do seminário, o presidente do TRT-PR, desembargador Altino Pedrozo dos Santos, destacou a importância do tema abordado – a proteção jurídica do trabalho – como valor fundamental do Estado brasileiro “que deve caminhar ao lado do capital como impulso imprescindível ao desenvolvimento da sociedade”. Ele lembrou a todos a advertência de Mahatma Gandhi, que referiu-se à proteção e ao respeito devido ao trabalho com uma frase definitiva: “Quando alguém compreende que é contrário à sua dignidade de homem e de mulher submeter-se à exploração e à injustiça, nenhuma tirania e opressão será capaz de escravizá-lo”.
A mesa redonda “
As transformações do mundo do trabalho frente à proteção jurídica” foi mediada pelo diretor da Escola Judicial do TRT-PR, desembargador Célio Horst Waldraff.
O encontro teve organização da Escola Judicial do TRT da 9ª Região; UniBrasil/GP-TREC; AMATRA IX e Academia Paranaense de Direito do Trabalho (APDT).
Ascom/TRT-PR