11/02/2021
Brasil tem histórico de crueldade contra mulheres, diz Min. Cármen Lúcia em palestra para o TRT-PR
<<VoltarA Ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia Antunes Rocha declarou que a sociedade brasileira sempre foi marcada pela pluralidade, mas tem um histórico de crueldade contra as mulheres. Com a conferência “A Justiça sob a visão das mulheres”, a ministra participou da abertura do ano judiciário do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-PR), no dia 31 de janeiro último. Assista abaixo a conferência na íntegra.
Ainda há preconceitos e a estrutura do poder foi feita para que não houvesse a participação da mulher, disse a ministra, em sua explanação, justificando o uso do termo “cruel”. Ela contou que pertence a uma geração que viu o espaço feminino ser reduzido à cozinha, deixando a sala – lugar onde se discute a política e onde as decisões são tomadas – “reservada aos homens, seus charutos e bebidas’’.
“Isto mudou. Nós mulheres estamos falando e chegando a espaços de decisão, mas não por bônus, e sim porque o princípio da dignidade humana impõe que cada um possa cumprir o seu talento e possa contribuir com a sociedade. A participação da mulher no Judiciário é a realização do preceito medieval de que cada um seja julgado por iguais, o que cria a necessidade de igualdade de gênero. No caso brasileiro, não há dúvidas: o Artigo 5ª da Constituição traz em seu inciso I que homens e mulheres são iguais perante a lei, nos termos desta constituição”, afirmou.
Cármen Lúcia falou por meio de teleconferência, em razão dos protocolos de prevenção à covid-19. Não há registros de que um ministro ou ministra do STF tenha aberto o ano judiciário no TRT da 9ª Região anteriormente.
JUSTIÇA DO TRABALHO E DEMOCRACIA
Para a ministra Cármen Lúcia, a sociedade tem reconhecido cada vez mais a própria pluralidade, mas, por outro lado, a desigualdade é extrema. Grupos que antes eram postos à margem dos círculos de decisão (caso não exclusivo das mulheres) passaram a ter mais voz e mais poder de construção da própria realidade. Ao mesmo tempo, porém, aumentou o número de pessoas em estado de vulnerabilidade social.
Para a Ministra, o caminho para o avanço passa necessariamente pela democracia. O modelo democrático não pode ser relativizado, pois é um sistema que permite a existência das diferenças e a formação de consensos em prol do bem comum, discorreu. “Este é um desafio que se põe para a humanidade e, especificamente, para o Poder Judiciário: os modelos de convivência estão em xeque e nós sabemos que a única coisa que não é colocada em xeque é o modelo democrático de convivência. A democracia é o único caminho, rumo e finalidade que nós temos”, declarou.
Cármen Lúcia considera que a Justiça do Trabalho segue desde a origem um modelo que tende a vir a ser o de todo o Poder Judiciário no futuro, para o fortalecimento da democracia: um espaço que privilegie a construção da conciliação e da promoção da paz social, superando a lógica do conflito entre as partes.
“Eu faço questão de realçar o papel do juiz de primeira instância, que é aquele que lida e que encontra com o jurisdicionado, mas principalmente que o jurisdicionado o encontra. Para o cidadão, este é o verdadeiro Poder Judiciário. O juiz tem importância em qualquer organização estatal do mundo, especialmente em uma democracia”, disse.
DESIGUALDADE SOCIAL
A Ministra Cármen Lúcia comentou também que o problema crônico da desigualdade socioeconômica se agravou ainda mais nos últimos anos. Para ela, o Poder Judiciário é falho quando o STF recebe mais e mais processos contra pessoas que furtam mercadorias de pequeno valor diante de uma situação de necessidade (princípio da insignificância). A ministra citou como exemplo um caso de Belo Horizonte: um homem machucou o pé e o ferimento não se curava. Sem condições de pagar e diante da necessidade, tentou furtar um par de chinelos no valor de R$ 15,90, mas acabou preso até que a decisão chegasse à Suprema Corte brasileira.
Embora serena, a Ministra não escondeu sua indignação pessoal diante do absurdo: “Que mundo é este que estamos construindo? Porque é que o processo precisa chegar no STF para que se diga que não é o caso de mandar uma pessoa para a prisão? Nós temos, neste momento, um enorme desafio de pensarmos uma sociedade de muita gente que pede aquilo que nós todos também pedimos: pão, fogo e sapatos”, concluiu.
TRT da 9ª Região (PR)
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